sábado, 12 de outubro de 2013

Bigu




- Ô Bigu, você já deu comida aos pássssss-saros? - quem assim perguntava era Dr. Ginaldo Cerqueira Gomes, médico pioneiro da cidade de Candiba. Moral e figura querida até hoje, mesmo depois de passar a residir em Guanambi. Afinal, naquele fim dos anos sessenta, difícil para cidades como Candiba ter ali um médico que trabalhasse e também morasse.

Bigu, vizinho, morava com sua mãe, dona Ana de Dodô. Nas horas vagas era servente de pedreiro. Digo nas horas vagas porque depois dessa empreita Bigu passou a ficar mais ocupado com os pásssssss-saros do Doutor:
               
- Bigu, estou indo a Salvador. Cuide de meus pássaros. Lave as gaiolas. Troque a água.  Duas vezes ao dia. Alpiste e canjiquinha. Não se esqueça.

A área da casa em que ficavam as gaiolas era em forma de L. O povo pobre, nos exames, fazia questão de trazer sempre algum passarinho de presente. E haja espaço.  Quando Bigu terminava de cumprir metade de sua tarefa, lavar gaiolas, trocar água e colocar alpiste ou canjiquinha nos vasilhames, já era perto de meio-dia.

_ Bigu, não se esqueça: água duas vezes ao dia.

Interessante que pelo sotaque soteropolitano do Doutor, que Bigu sabia imitar, nos intervalos, sempre havia um que lhe pagava a pinga. Esse “dia” era pronunciado de forma meio sergipana, linguodental, e não de forma molhada como pronunciamos. E assim andavam os dias na monótona cidade de Candiba.

Um dia Bigu, nesse costume de imitar Doutor Ginaldo e achar nos bares quem lhe pagasse a bebida pelo engraçado do sotaque, entrou na sorveteria de Zé Pereira já fazendo sua propaganda:

- Ô Bigu, você já deu comida aos pássssss-saros?

Mas aí, lá do reservado do bar saiu uma voz:

_ Ô Bigu, largue minha vida, viu?

Era o próprio Dr. Ginaldo, em pessoa, mas Bigu, cá fora, protestava:

_ Porra, já tem gente imitando Dr. Ginaldo melhor do que eu!


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