1. Nessa viagem com mãe, vou dar cobertura a formatura de quinto ano primário dela, Nidinha, Eunides Alves Pereira. O ponto de referência do roteiro é a sede da Escola Rural Mista em Candiba, município de Guanambi, Bahia, no final da ladeira da atual Rua Presidente Vargas, em novembro de 1956. Era ela uma adolescente de 16 anos, morena, dos escuros cabelos compridos, que desciam até a cintura, fina (58 centímetros), diga-se de passagem, e o sorriso de uma menina atenciosa com o mundo, botando apelidos grudentos nos irmãos, em brincadeiras, porque era assim que vivia naqueles anos cinqüenta, tal como uma ninfa florescendo juntamente com a Vila, para onde a família se mudara proveniente da Fazenda Barreirinho, e ali, na praça da Igreja, se estabelecera, com uma loja de tecidos ao lado da casa.
Um quadro
convencional: o pai, Osvaldo Dantas, no balcão, quando não estava na roça, a
mãe Etelvina, que o substituía por vezes, cuidando das coisas e dos
meninos lá para dentro. Adaptara-se bem com essa mudança, porque antes tivera
como professora dona Dozinha (professora Theodosina Batista), com quem
aprendera na roça as primeiras letras. Agora, na Vila, com o professor
Francisco, com o quem o pai tivera uma conversa séria antes de proceder à sua
matricula. Sobre como iria receber a menina e o que iria ensinar, assegurando o
mestre que ela, em aperto, formaria no fim do ano com a turma da quinta série,
e daí poderia seguir nos estudos em Caetité:
“Lá nós temos
parentes, professor”, planejava Osvaldo Dantas, “é que agora, professor, sem
terminar os estudos, não tenho ideia de casar filha minha não”, concluía com ar
de preocupado.
Sempre em afinação
com a didática do professor, que lhe socorria, Nidinha sonhava com influência
do pai, que muito falava desses parentes que deixara em Caetité.
Candiba era aquela
pracinha da Igreja, as casas em volta e a serra ao fundo como uma distante
fortaleza, feito um abraço reservado para vida futura. O que podia esperar de
um dia sempre igual era enxergar naquele vento que agitava a vegetação e
sacudia os ares a novidades de uma nova era, que se erguia a partir dali, da
Vila, como estreia da jovem Eunides Alves Pereira, futura companheira de Aleci
da Silva Prado, que também se fez presente no evento. Afinal, já tinham eles um
prévio conhecimento que sinalizava um promissor namoro. Com essas conjecturas,
achava-se ela sentada com os colegas, no meio da turma, com sua saia de
preguinhas azul marinho (a mãe teve que fazer às pressas, pois o pai não queria
saia justa), blusa de um rosa claro, com mangas de três quarto, que se
descobria decente. Para abrir os trabalhos, em solenidade, discursou o
professor Francisco Pereira da Silva, grande aquisição do então distrito de Candiba,
nova denominação do antigo Mocambo, a que ainda não se acostumara a população
mais idosa. Depois, acompanhando a chamada por ordem alfabética, Nidinha
ergueu-se, magrinha, arrumada, com os seus cabelos que lembravam a graúna
alencariana e, empertidigada, caminhou até o professor para receber o diploma,
sob aplauso geral e abraço do pai e da mãe, que, a um canto, carregava uma neném de colo, sua irmãzinha
Eneni.
Então já era o baile?
Ao som da Safona de Jacob. Mas quem esteve dançando com todo brilho foi o jovem
Aleci, que desistira da Escola do professor Francisco no segundo ano, num tempo
remoto, e estava agora de volta de S. Paulo, com todo garbo que lhe competia
como um soldado que andara servindo no Exército brasileiro, turma de 55. Só
que, a considerar, tinha ele que estar dançando era com ela, Nidinha e não com
sua colega Dolores, que, percebia, vinha assediando o jovem desde que voltara
de S. Paulo.
“Ela já tem umas
cabeças de gado. Uma ajuda boa, pra começo, não acha?”, segredava-lhe em
pergunta o entusiasmado Benjamim, tio da moça Dolores.
Enquanto assediava-se
de um a lado o jovem Aleci, um pesado clima parecia tombar
sobre Nidinha de outro, com as engendradas conversas de Dolores,
para ela ir de companheira até as máquinas (usina de algodão) de Joaquim
Marques e ver lá um moço loiro, bonito... de Minas... acrescentava como se
fosse um prêmio de boa novidade. Mais por companheirismo que por
interesse, pois que aguardava Aleci, com quem mantinha um flerte (do
conhecimento do seu pai, diante de quem se apresentou) acabou cedendo ao
malfadado convite. Logo, para surpresa sua, o moço acabou se engraçando foi com
ela, Nidinha, a ponto de, na sua apresentação, lhe estender em oferecimento uma
maçã, que foi obrigado a aceitar, e, para completar a história, comer. Tudo
isso como prato cheio, para contar a Aleci, que lhe fez despertar para uma atitude machista só
refreada pela bronca que levou da mãe, dona Ana, quando com ela fora
queixar-se:
- Tome
Vergonha, rapaz. Você tem que conversar é com Nidinha, que é moça para você se
casar, não é com esse “pescoço de cágado” não, falou insinuando um sestro de
superioridade que consigo carregava a moça.
Enquanto consolava
saber agora da conversa de dona Ana com Aleci, que terminara por ele acreditar
nela, já lhe consolara mais ainda as palavras recebidas de sua mãe Etelvina,
quando o mundo para ela teve fim ao ser carregada do baile da casa de seus tios
por seu pai, que notou sua ausência e alguém maldosamente lhe dera notícia sua
no baile (ela dançava uma moda com João de Antonhezinha):
- Não chore não minha
filha, que seu pai gosta de você. Ele quer o melhor.
E olhe que a mãe era
considerada uma realista e quase fria de gestos, como esse de solidariedade a
sua filha mais velha, chorosa.
Esperou e ele veio. Com
todas as cores de seu sonho. E dançaram ao som da safona de Jacob, naquele dia
de formatura de quinto ano primário, em que se considerava pronta para
prosseguir nos estudos ou aceitar a proposta de Aleci, de conversa marcada com
seu pai, sobre o casamento para o ano seguinte, pondo fim ao assédio da colega
Dolores e de seus familiares.
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