sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Sr. João Ferreira, delegado de primeiro mundo




Seu João Ferreira não tinha nada do que o nome indica. Não era de ferro. No nome talvez, daí que se tornou delegado de polícia na Candiba antiga, ainda distrito de Guanambi, aos pés da Serra Geral, na Bahia. Coisa de mudança política na região naqueles velhos tempos: era o cara que se podia indicar, porque respeitoso e sério, para desempenhar tal cargo no então distrito pertencente a Guanambi. Mas deu-se que, como se sabe, delegado, principalmente naqueles tempos, delegado tinha que ser delegado, ou seja, diante de tanta ignorância, fazer valer a autoridade e pronto, sem explicações, senão tomava-se conta.

Só que de norte a sul, do então pequenino vilarejo de Candiba até a China, todo mundo sabia que, embora respeitoso e sério, Seu João Ferreira não era pessoa indicada para dar combate no que ocorria na localidade, principalmente em dia de feira livre, quando apareciam os lances de “faroeste”, porque naquele tempo todo mundo andava armado até os dentes e coisa e tal; cachaça, jogo e raparigagem. Quem tinha sido mais especialistas no assunto foram delegados anteriores como Chico Lima (mais ignorante que os caras na porrada) e Albertino Rocha (mais diplomático), mas a política mudara de lado e o indicado tinha sido agora seu João Ferreira.

Num sábado, dia de feira livre, principalmente com feirantes vindo de Guanambi, não se podiam armar barracas, pois que nesse dia Tião de Jilú, cheio da cachaça, com uma peixeira que brandia a todo o tempo e que se fazia brilhar mais que dente de ouro de cigano, dizia logo cedo:

- Hoje eu decidi: não tem feira, e quem quiser que vem dentro – mostrava a faca, que parecia luzir sob o efeito dos primeiros raios de sol daquele dia.

Trabalho para o delegado da localidade. Seu João mal tinha tomado o café da manhã quando recebeu a notícia, para que, como delegado, tomasse as devidas providências, pois que a feira estava sendo proibida por um bêbado.

Ajeitou-se, pegou por último o chapéu no torno da sala, e falou, com voz firme de delegado, à esposa:

- Zifina, vou ali prender esse sujeitinho e volto pra terminar o café.

Quinze minutos depois seu João estava de volta, devolveu o chapéu ao torno da sala, tirou o paletó, descansou-o numa cadeira e foi para a mesa em busca do café da manhã que antes tinha sido interrompido.

- E aí, João, prendeu o sujeitinho?

Puxando uma porção de cuscuz, seu João respondeu:

- Prendi não, Zifina,  mas disse um bocado de desaforo pra ele.

Dona Josefina ficou sabendo disso, mas não propriamente de como ocorreu o episódio.

Seu João, em sua primeira e última ação como delegado de polícia, chegou até o local e lá se encontravam as pessoas em volta assustadas com a presepada de Tião de Jilú, bêbado, impedindo a realização da feira livre.

- Tião, teje preso.

- Num tejo.

- Tião, quem está falando aqui é a autoridade: me dê essa faca e vá se embora senão vai preso.

- Vem tomar, o senhor não é autoridade? – respondeu Tião fazendo artimanha com a faca. – Hoje, seu João, pra mim tanto fazer matar ou morrer. Quem for bom que vem dentro – e tornou a manusear a faca com destreza.

Seu João olhou em volta, viu aquele tanto de feirantes e populares aguardando o desfecho, lembrou-se de que Tião tinha vindo corrido de Guanambi por ter furado gente de faca. Sem se encontrar ele, delegado, com algum suporte policial e com aquele seu físico de Charles Chaplin e além do mais um chefe da família, resolveu tomar uma atitude diferente. Olhou fundo nos olhos do negro Tião de Jilú e fulminou:

- Pois se você é o valentão, o dono do mundo, que fique aí com sua valentia.


Virou as costas e saiu para terminar o seu café da manhã. Soube-se que depois Tião montou o seu cavalo e foi se embora. 

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