1
O
maior inventor de todos os tempos
O
maior inventor de todos os tempos? Sempre tinha carregado consigo, para quando
em alguma circunstância fosse instado a dizer, uma resposta que entendia
liquidar de vez a polêmica: o maior inventor foi a própria humanidade;
não foi um fulano de tal que viveu numa certa época, porque a maior invenção,
achava, foi a escrita. Graças a ela é que daí decorreram as demais. Mas agora
abria mão de toda essa certeza para impor, sem admitir direito ao
contraditório, que esse princípio se lixasse por lá, para bater o martelo
retificador da verdade: o maior inventor do universo, de todos os tempos,
foi... Grahm Bell.
Era na parte de cedo e o telefone do
escritório já tocava. Tocava não; fazia escândalo. Parecia uma rapariga a
gritar por todo edifício: “Gustaaaaaaaaaaaaaavo... Gustaaaaaaaaaaaaaaaaaavo”.
Teve que subir as escadas saltando degraus, tanto que chegou meio ofegante quando
conseguiu alcançar o fone:
- Alô.
- Gustavo?
Deus, era ela! Deu vários beijos no
bocal do fone. Até que enfim a vida que pensava ter perdido para sempre. Até
que enfim aquela voz que já tinha deixado de ouvir fazia algum tempo. A voz. A
voz. Só com isso parecia retomar o verde da existência, a vontade de
abraçar até os inimigos, se os tivesse, como falou um dia em que fizeram amor
três vezes na noite e quando foi para o trabalho de lá ligou para ela só para
dizer isso.
- Gustavo?
Que maravilha! E esse “Gustavo!” era
assim, ainda que, como quem estava zangada, que iria cuspir maribondos,
“a voz”, que fazia tempo não musicava em seus ouvidos, mesmo em tom de
agressividade.
- Gustavo?
Zangada.
- Fala, meu amor.
Imagine aqui com que entonação
respondeu. Depois de tempos. Ausência igual a frio de Vitória da Conquista, de
pelar cachorro. Falar em cachorro, ela agora iria soltar os dela.
- Pare com esse negócio de amor.
Você está ficando maluco, é?
Tinha que sair por aí, não era?
- Você telefonou pra todas casas da
cidade procurando por mim. Você acha que isso é coisa de gente normal?
- Você não me deixou o número do seu
telefone, baby...
- Pare de me chamar de baby.
Acabou e pronto.
A voz. Como sua cidade não era tão
grande assim, conseguiu um catálogo telefônico, e, como não sabia o número do
telefone da família dela, resolveu ligar para todos os números de telefone da
cidade procurando por ela. Não aguentava mais aquela ausência.
- ... e além do mais, você é um idiota:
ninguém aqui me conhece pelo nome não e sim pelo apelido, “Joice”.
Trabalho da porra. Ligava: “é da casa
de Joicilene? Não? Você pode mandar um recado pra ela, pra ligar pra Gustavo?
- Então como é que você ficou sabendo,
baby?
- Pare com esse negócio de baby.
Acabado.
Brava. Mas chegaria lá: o trabalho não
fora inútil.
- ... você é maluco, ligou até pra
rádio FM e eu estava na cozinha fazendo café quando a rádio divulgou, e mãe e
pai escutando.
- E eu sabia lá que era rádio; eu
queria tentar localizar você, por isso liguei para todos os números do
catálogo...
- Você é maluco e eu não sabia disso...
- Mas eu fiquei assim depois de você,
baby...
- Pare de me chamar de baby!
- Pra que essa brabeza?
- Eu fiquei assim depois dessa loucura
sua. E olhe, esqueça, a gente não tem mais nada a ver. Por favor.
- Eu vou aí.
- Não faça isso.
- Vou. Então venha você aqui senão eu
vou.
- Eu já lhe expliquei que não dá certo.
Fique com sua mulher, já que você não se livra dela.
A bronca era essa: ciúme da titular.
Tinha visto o casal fazendo compra em um supermercado e ele todo todo aninhado
à esposa, com beijinhos e coisa e tal, e então entrou em parafuso, sendo que já
estava acostumada com a idéia de que ele jamais se separaria e que o
relacionamento deveria se manter daquela forma.
-
Mas você já tinha compreendido isso, baby: coisa superada.
-
Pare de me chamar de baby e tem mais: compreender é uma coisa mas ficar vendo
aquilo é outra coisa, você lá se babando, beijinhos e abraços e palavras...
-
Mas eu sou assim...
-
Vai ser assim agora nos infernos – gritou (“a voz”) e bateu o telefone.
Tinha
certeza de que ela iria ligar de novo. Conhecia. Ela não tinha terminado a
bronca, para que depois ele lograsse êxito no seu intento. No fundo, ela teria
gostado da sua loucura
Nenhum comentário:
Postar um comentário