Logline: Ainda um menino, já deixado para trás o candeeiro aceso ao lado da cama, ele teve seu correio de sonhos suspenso por descuido moleque. Haveria tempo para uma virada?
Ítalo reviveu a experiência
de correspondência com garota ideal, por ocasião de sua adolescência. Época de
complementação ginasial, de cercado de prédios, de barulho de cidade grande, de
telhados escuros de casario antigo e de tédio de um menino assombrado com o
mundo. Que nas horas de folga - quando resolvia um problema de matemática -
apanhava o violão e batia um rock Ninguém para aplaudir, voltava para a
escrivaninha. Lá fora carros para lá e para cá, sem destino. Pessoas também.
Vez em quando abria a porta do quarto para dar esporro nos meninos, na sala,
cada um na sua;
- Vou fechar a porta,
pra fora os dois.
De volta para encontrar
o valor de “x”. Era um ato solitário, para quem se sujeitava ao sacerdócio,
Preferia então os livros da coleção Trópico
- Enciclopédia Ilustrada, da Editora E.P.- MALTESE, achava um mundo de
conhecimento ali, mas estava superada, a professora tinha dito
reservadamente. Esse pessoal tinha mania
de falar em livro superado. Concordava em parte. Não podia jogar fora José
Mauro de Vasconcelos, autor de Doidão
e Meu Pé de Laranja Lima, só porque a
professora falou aquilo. Além dó mais, era coleção completa, que a mãe tinha
comprado fazia pouco tempo.
Muito apegado a essas
coisas, ia se desfazendo delas aos poucos. Uma coleção monstro de gibis o
espreitava da estante, cada vez mais ocupada por livros didáticos. Do
guarda-roupas não se podia dizer que guardava roupas mas uns molambos
entremeados de umas poucas domingueiras,
de novidades vencidas. Também nem inventava de sair. Era o sacerdócio e a
mesmice. Um pouco de fita cassete de Roberto Carlos. A janela na sua exploração lato sensu. Era até uma possibilidade
de comunicação, além da nesga de sol, torre da TELEBAHIA e do acinzentado
visual urbano.. No exercício de liberdade íntima, a pessoa tinha que ter a confiança
de alcova. Ali seu santuário, adiante a biblioteca, mais adiante sua quadra de
práticas esportivas, seu palco e sua passarela.
Esse tempo todo e nem
um sinal dela. No momento havia em disputa umas três garotas: a empacotadora de
pão, uma branca, de uniforme verde, gente boa, mais duas colegas, Marilene, que
tocava instrumentos de cordas, dançava balé, jogava bem no vôlei e basquete e
aluna de 8 a 10, e Nívea, pequena,
bonitinha, de olhos verdes, cabelo de presilha, aluna nível médio.. Em silêncio, como competia a um adolescente.
Não se sabia ao certo
como caíra-lhe à mão um binóculo infantil, desses de Zorro, bom para
bisbilhotar janelas ao longe e focar um rosto de mulher. Devia ser do irmão
mercenário, que iria cobrar aluguel do artefato. Mas foi de utilidade
revolucionária. Aí. Ítalo passou a agendar a vez do aparelhozinho. De manhã e
final da tarde eram reservados para tal caça. Até que, em meio a paredes em
labirinto, saiu-se livre numa frincha por onde andava o sol de mãos dadas com a
brisa, e se encaixou em cheio numa garota tomando os primeiros raios de sol.
Para completar, com um aparelho de som por perto e agarrada à leitura de um
livro. Cena de filme.
Criou-se então costume
novo com alteração no plano de estudo. Dia de sábado, por exemplo, esperava a
saída de umas duas amigas para então começar a paquera. Aprendera rápido a usar
bem os gestos. Num dia em que terminara uma apostila de matemática e tomara um
vinho em comemoração, acabou por declamar, usando seu palco, um trecho do poema
de Castro Alves para ela:
Oh!
eu quero viver, beber perfumes
Na
flor silvestre, que embalsama os ares;
Ver minh’alma adejar pelo infinito
Qual branca vela n’amplidão dos mares
Ítalo achou a namorada que faltava. E usou uma tábua de compensado para ser erguida no alto com seu nome e endereço numa cartolina nela afixada. Erguia um tampo de madeira diante do janelão. Assim, em resposta, recebeu de Geisa uma carta com letra de música de Vinícius e uns coraçõezinhos articulados em vermelho.
Tinha que corrigir os
meninos na sala. Mas, como quem mexe com menino acaba molhado, recebeu logo a
cobrança:
- Ei! Meu aluguel de
binóculo venceu e você fica só curtindo ele.
- Depois acerto tudo,
Tom. E você, me ajude a erguer essa tábua aqui na janela, depois eu explico –
pediu ao primo, sem mais camaradagem.
Era a tábua uma estrovenga,
ruim de movimento, mas ele segurou-a no alto enquanto Ítalo cuidava do
binóculo.
Queria explicação. A
explicação foi um pé na bunda do primo.
- Pra fora, todos os
dois.
Não podia dar vacilo,
que os meninos, no quarto, iriam revirar guardados seus Em decorrências desse detalhe, trazia o
quarto, seu reduto, trancado à chave. Tanto que se apegara àquele espaço físico
onde acrescera à sua imagem uma barba bem desenhada, rescendendo a lavanda. Pós.
Valorizava muito a
carta (lida e relida) enviada por Geisa. Que era fofa, de short, no telhado.
Eram namorados e pronto: tinha uma garota. Passou então a trocar
correspondências e cuidar do visual.
Diferente.
Chegou até a compor uma
canção para Geisa. Ítalo tinha necessidade de mostrar pra ela mas não
encontrava jeito. Pensou em mandar uma fita com a gravação, mas não ia ser
legal e desistiu da ideia maluca. Depois se viu pagando com agrado os meninos.
- Sentem aí e ouçam, se
não é linda.
Mas Ítalo acabou por
dormir de toca, como se dizia, ao permitir negligentemente que a porta ficasse
só no trinco e o primo entrasse e fizesse a presepada pelas suas costas, num
dia em que se maravilhava olhando de binóculos. Geisa se irritou e em protesto deu
ao namorado cartão vermelho para nunca mais.
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