Reencontrou Índia depois
de alguns carnavais e micaretas, ela bem composta, em meio às outras.
- Índia|! Que que você faz aqui nessa fila? – indagou Beto,
- Recolhendo o FGTS - disse, prestativa, mostrando um formulário de contribuições sociais.
Índia
devia ser uma dessas analfabetas, pensou Beto, e vai se embaraçar com esse
papel, sem saber da importância:
- De que empresa é? Deixe
eu ver, Índia?
-
Do meu marido.
Beto
endireitou-se para falar com a madame. Uma senhora que esbanjava simpatia de
uma mulher casada, num dia de ida ao banco cuidar de negócios do marido,
pequeno empresário. Mas não podia ser verdade. Índia ter saído daquelas bocas,
tudo bem, mas arrumar casamento?... Passado esse temporal, poderia ter ocorrido
muita coisa, inclusive o casamento de Índia. Alguém a teria tirado de lá. Por
que não? Às vezes, a vida imitava a arte. Ou então ela poderia ter saído e
nesse lampejo de mulher comum... ter
grudado um otário. Mas, dessas mulheres, ela era uma decente. Só se sabia quem
tinha um olhar perscrutador.
- Então você casou?
Respondia com entusiasmo:
- É, ele tem uma oficina
mecânica para aquelas bandas. Já vai fazer dois anos. Eu cuido desses
pagamentos, recebo do contador, pago e arquivo, todo início de mês – explicou a
simplicidade em pessoa.
- Muito bem, dona Dinalva – disse Beto em apoio,
lembrando-se do seu nome de registro e sepultando o apelido de Índia que um dia lhe pusera carinhosamente como
prêmio de uma noitada de nobre.
Uma vontade de
bombardear Índia de perguntas mas agora estava diante de dona Dinalva. Tinha
que maneirar mais nas palavras e frear essa sua afoiteza. Não ia fazer ali um
interrogatório policial, que ela nem merecia, página virada, mormente agora,
senhora de óculos respeitosos. Nada de Índia, não estava vendo? E aí, enquanto aguardava, deixava que
rolassem lembrança e raciocínio lógico. Ela continuava pura, com a tosca
inocência que sobrava dessa rudeza de vida.
De primeira qualidade,
a considerar o grupo de mulheres que freqüentava o fosco ambiente de aparências,
ela emergia Índia em terras estrangeiras.
- Você pertence a minha
tribo, viu? – dizia a ela, que aquiescia com sorriso de canto.
O resto da turminha só na
base do cata uma aqui, futuca outra acolá, até o sumiço nas emboscadas da hora.
Beto preferiu um conforto achado ali mesmo. Índia ofereceu-lhe o colo, que ele,
esquecido o mundo, aceitou e assim permaneceu.
Para algumas perguntas, a resposta seria “não é da sua conta”, mas era sim da conta de Beto, por envolver o interesse público. Índia tinha que em tese dar satisfação à sua clientela. Ainda mais depois daquela noitada de luxo, coisa de Londres ou Paris, sabia-se lá mais o quê de invenção, para descrever aquele instante de saída, à tardezinha, para um jogo de sinuca, ouvir, no motel, a boa música de Sinatra, comer um frango a molho pardo com arroz branco, precedido de umas taças de champanhe, como encerramento.
E mais, acordar com a imagem de rosto de uma índia tupi contemplando seu guerreiro, tudo como num sonho.
João Isidoro, mecânico
de mão cheia, tinha também seu olhar perscrutador.
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