sábado, 18 de abril de 2015

CHICO, O ENTENDIDO



Mentira não pode ser, que Chico nunca foi dado a gaiatices. Conheço-o há um pedaço de tempo. Gente séria, da labuta no campo, criada dentro dos princípios da moral e dos bons costumes, veja lá se Chico ia contar lorotas. Certo que no relato deste episódio pôs ele de lado seu ar de modéstia para se gabar como exímio conhecedor de qualquer tipo de carne, do que não pude duvidar. Afinal, era o próprio Chico quem falava, e, do outro lado, havia o assentimento dos demais presentes.

Era um fim de tarde. Enquanto o vento de agosto varria o chão arenoso, os homens iam chegando para encerrar o dia com alguns tragos ali no bar do Té. Chico cuspiu para o lado algum resquício do seu cigarro de palha e passou a contar o causo.

Foi por ocasião de uma viagem que fizera com alguns companheiros de juventude ao interior de São Paulo. Na volta, passando pelo interior do Rio de Janeiro, tiveram que pernoitar em Vassouras. Pansãozinha barata como muitas outras, mas do agrado do pessoal porque trazia grafado na placa “Pensão Familiar”.

À hora da janta, no entanto, estando todos à mesa, uns puxando a travessa de arroz, outros, a de feijão, Chico – que até então se mantivera calado – abriu o bico num sobressalto:

- Êpa! Essa carne eu não como não.

Alguns hóspedes chegaram a lançar olhares repreensivos para a mesa de Chico.

- Aquieta, Chico – pediu-lhe em segredo um dos seus companheiros.

- Não como, já disse. Essa carne é de cachorro, não tá vendo?

- Chico, por favor, pare com isso; olhe as pessoas olhando pra gente! Deixe de besteira, que é carne de bode.

- Se quiserem comer podem comer vocês, mas eu não como é mais nada – Chico disse aos amigos, empurrando o prato em que comia.

No quarto, os amigos censuravam o comportamento de Chico:

- Faça isso não, Chico. Se o dono da pensão escuta você falando daquele jeito...

Chico acabara por perder o sono, preocupado. Ele tinha certeza, mesmo sem provar, que aquela carne não era de bode ou carneiro.

Manhãzinha cedo, hora de partir, os amigos se impacientaram com a ausência de Chico, quando o viram acenar adiante, de um portão lateral do muro da pensão, no quintal:

- Venham ver.

Quando se aproximaram do local, Chico apontou com o dedo: havia três couros de cachorro esticados.

Palavra de Chico.


FOLHA DO ALGODÃO, SETEMBRO DE 91.

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