quarta-feira, 19 de agosto de 2020

 

Alumbramento

 

Fazia um tempão que, pé ante pé, ali se plantara, focado só nas coxas mal envolvidas nos lençóis, num proposital desleixo. Ela ferrada no sono leve, que, a um milímetro de vacilo, podia sair do esquadro e acabar com o filme, diga-se. Filme proibido para menores de 18 anos. Ele só tinha 14 e todo vigor juvenil de um cavalo solto riscando o chão com a pata. Solto, mas trêmulo, de passos contidos em rédea policiada e curta. Daí a instante era hora de ela emergir das sombras. Não ia cair numa fria. Agora seus olhos viam uma verdadeira maravilha, tinha que focar mais...mais... e mais...  de forma escorregadia no vão da porta mal encostada da alcova... ia vendo an passant..., em alumbramento, segredo revelando-se novidade em repartidas bandas, em vermelha e doce melancia, se possível a comparação.

 E ele no desbravamento do longínquo desconhecido, misto de proibido e pecado, em rasgo de luz por entre os toletes de coxas morenas desse enorme e quente segredo - o cós da calcinha meio entranhado no bumbum, que, fascinante, não se deixava ver por completo, devido aos intrusos lençóis, nos bruscos movimentos que ela, "inconsciente", fazia. 

Tudo isso com seu sistema de radar particular acionado, pena de ser apanhado no flagra. Zupt! Hora de sair. Afinal, cumprira mais um dia de aventurazinha no pós ciesta que ela gostava de tirar àquela hora, e corria para se descarregar no banheiro - o the end. De volta rápida para a mesa da sala, onde se posicionava fazendo o dever de casa, quando ela chegava com ar de descansada e sentava a um canto empunhando suas apostilas, cadernos e livros do 3º ano. Ia se inscrever em Filosofia; Medicina nem pensar. Ele ainda no ABC da vida que teria pela frente, concluindo o ginasial.

- Vai estudar essa apostila toda agora?

- Vou nada, não vou fazer Medicina não. Isso é para esse povo. Humanas e língua portuguesa, minha praia, respondeu com calma, separando dois módulos de interesse, e levantou-se em buscar de um café.

- Quer um?

Sinalizou que aceitava. Ficava apreciando-a no short folgadão, que lhe dava um tesão danado. Uma hora ia pegar aquela peça de vestuário como recordação. A calcinha, a do cós no rego,  essa não, dava cheiro na parada. Não podia.

No final, caprichando em humanas e literatura, só ela quem passaria no vestibular; o pessoal de medicina ia ter que procurar outro caminho. Ele ia começar o primeiro ano colegial.

E aquele alumbramento é que iria acompanhá-lo pelo resto da vida.

 


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