domingo, 5 de fevereiro de 2023

 

Ítalo

 Diante do oceano de inutilidades e achados maravilhosos, Ítalo perdia-se em autoconhecer-se. Talvez lá encontrasse a flautinha do presépio de seu Orlindo - velho comerciante que guardava a encomenda com esmero havia anos, desde sua visita a Bom Jesus da Lapa, no ano de mil e novecentos e...?

Ítalo era um menino de hábitos urbanos periclitando pela roça, lugar de vegetação vária, caminhos íngremes, riachos, córregos, grotas e até cachoeiras.

Por isso, na fazenda do pai, confiava sua segurança ao menino filho do vaqueiro. Assim, terminada a talhada de melancia, cuidavam de ir pelos campos abertos em frente, com mata fechada mais ao fim e prosa infantil de perguntas e respostas:

- Ali tem gado brabo?

- É só rodear o curral e passar beirando a cerca que não tem não.

-  Tem pé de umbuzeiro do outro lado?

- Tem. Nós vamos até lá.

Ítalo imitava a destreza do menino ao pular cerca, abrir cancela, tirar o pau da porteira, dar mergulho rápido no córrego e se refrescar. Só faltava carregar também um estilingue no pescoço. Sim, simpatizava com Neném. Ainda mais que ele acertou uma pombinha, de longe, numa só estinlingada. Tirava umbu de vez no lugar de difícil acesso:

- Esse! – apontava com o indicador Ìtalo.

- Tome! – ofertava Neném.

Brincaram um bocado. Na lagoa, pegando corrida no mergulho, chupando frutas, entre os carneiros que havia pelos prados, até  o escurecer ao cair da tarde, quando, com o berreiro dos bichos e farfalhar das árvores, chegava aviso de ir embora.

-  Vamos, Neném!                       

E Neném encabeçava, seguia comando do seu futuro patrão, a quem dera fruta no ponto de morder, umbu inchado e maduro, e com quem disputara mergulho no córrego.

Mas agora, nessa tarde, no caminhar de volta, notava que Neném ia ficando meio recanteado.

- Vamos pelo fundo, Neném, que a gente pega a estrada adiante e acaba conhecendo mais a mata e acha outros umbuzeiros,

Neném se manteve calado mas firme como se tivesse passado o posto de comando e ficado de prontidão para eventual socorro. Pelo menos esse foi o entendimento de Ítalo, que mais ousado ainda se tornou.

- Vamos por aqui, que tem uns pés de umbus  e árvores bonitas.

Saltaram a cerca e caíram numa mata sem uma nesga de sol, na qual foram adentrando tangidos por um enxame de abelhas. Longe, ouvia-se um berro do gado recolhido no curral perto da casa. Havia nesse berro prenúncio de uma noite iminente e fria. Conseguindo se desvencilhar das abelhas por entre árvores que faziam ofuscar a capoeira, Ítalo ergueu-se à procura do companheiro, que, para seu espanto, chorava. Como a um neném;  o estilingue esquecido no pescoço mostrava  que ele era apenas um meninão com medo de escuro sem nenhuma magia.

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