Escolheu apanhar a nota
menor, porque, caso descoberto o furto, perpassaria a ideia de “coisa de
menino”, apenas, como se fazia então, e ele não estaria dando cheiro na parada.
Era o que estava diante
de si e o desafiava: aquelas duas notas, uma de cinco e outra de um mil
cruzeiros. A de Tiradentes, cédula vermelha, que lhe fazia tremer e acelerar o
coração, era alta. Após ponderações, escolheu a de Pedro Álvares Cabral. Compraria
umas balas doces, sacos de pães, bolachas, sorvetes, guaraná e ainda sobrava
muito, que teria que esconder num monte de alvenarias lá no fim da rua ou ir
reservando para apostas no jogo. Pronto, ficaria um bom tempo sem
aporrinhações. Serviria de lenitivo, não mais estaria sujeito ao nervosismo da
mãe, depois que sua irmã chegara para casa com filho para criar. A mãe, que o pegara ainda bebê do parto de
uma lavadeira alcoólatra, mudara completamente, do amor para o temor, e vivia
achando jeito de repreensões e surras, instadas por ciumeiras de Deodata.
Principalmente quando a mãe, apesar de estampada moral, nas suas atividades
como ajudante de serviços de partos, tomava umas pingas a mais.
Ia-se conduzindo sob o
clima da rigidez infernal, o que o tornava negligente com os estudos, mas, sem
muita palmatória, pelo menos alcançara a suficiência das primeiras letras. Daí
que surgiu um garoto, o Tom, que pegava bem no gol do time de adultos. Chegou a
substituir o goleiro da seleção local. Conquistara com facilidade o carinho dos
torcedores, de quem ouvira seu nome ser gritado: “Espalma, Tom! Vai nela, Tom!”
- até que os ventos da maldade virariam
contra na sua varredura.
Tudo porque inventara
de entrar no jogo de Pif Paf no lugar mais conhecido na cidade. Era moleque que
tentava ser gente grande, inclusive no valor das paradas. Ele achava muito
bonito. O cigarro queimando no cinzeiro, enquanto erguia-se o copo de bebida.
Quem tinha essa pose, como sua, algo marcante, era seu Alceu.
- Bati – dizia e
descansava as cartas na mesa.
Com estilo, dava um
derradeiro trago no continental,
atirava fora a bagana e puxava o bolo de dinheiro para perto.
Depois de frustradas
tentativas por carregar pouco dinheiro, agora era a vez de Tom. Mas quanto mais
rezava para perder mais ganhava, ganhava de monte; pagava tudo do bom e do
melhor. Saía porção de salsichas, azeitonas, quitutes e sardinhas:
- Patrocínio de Tom! –
gritavam.
- Bati com essa carta
aí – falava baixinho para não frisar adversário derrotado.
Aí tinha que levar as
mãos e apanhar como rodo a dinheirama. Diabos, devia era assobiar alguma
canção! Mas a imagem que lhe vinha era de medo... do cinturão da velha mãe
falando para endireitar-se se queria virar homem.
Naquela toada, deixava
ainda de ser vigilante. Nem esse descuido lhe arranhava mais a sorte. No
baralho, tinha que estar aceso. ”Está ligado, mano”, como eles diziam. Juntara
dinheiro. Fosse um outro, nada aconteceria de estranho. Tinha que dar um jeito.
Já escurecia ou era impressão sua? Alguns foram desistindo, até que, assim
reduzido o número de participantes, seu Alceu deu um murro na mesa:
- Não adianta, hoje o
dia é do menino - e resolveu pôr fim à peleja.
Após pagamento das
despesas de bar, o menino arrumou por maior as cédulas e formou uns pacotinhos,
que lhe iam estofando os bolsos.
Saiu com a ideia de
passar no monte de alvenarias e esconder os pacotes de dinheiro, senão, ainda
que já rapaz, seria alvo fácil das maldades em casa.
Quando se aproximou,
foi surpreendido pela polícia, que não deu tempo de ele fazer o drible.
- Pegou uma nota de mil
cruzeiros – o delegado explicava a mãe de Tom.
- Natalício, a vítima,
disse que Tom só pegou essa nota de mil. Ah, deixou de levar a nota de cinco
mil cruzeiros, que estava junto com a outra na mesa, debaixo do rádio de pilha –
completava a autoridade.
- E uma banda de
melancia chupada – acrescentou um acompanhante da diligência.
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