sexta-feira, 17 de março de 2023

Menina Escondida

 

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Maior que tudo. Mais interessante que um astro de cinema. Desses que vivem na mídia, da mídia, para a mídia, a mídia, enfim. A quem interessaria esse chamego bobo entre nós, cujo processo de amadurecimento não se revelava às claras? Exalava-se em indagações esse nosso proceder. Um Manoel de Barros do modo de ser, da coisa ameninada, levada à brincadeira, aquilo que empaca o progresso endinheirado, “perda de tempo”, “prego enferrujado” achado no quintal e outras inutilidades.

Tudo isso passava longe do segredo da menina escondida. Ufa! aquele frio na barriga, o “flagra”, o risco de luz na escuridão, do perto com o proibido... depois o êxtase alcançado e recolhido, como um brinquedo de abrir e fechar num inesperado clarão.

Menina escondida e quantos mistérios em volta desse atrativo. Temos que buscar no fundo essa passagem. Dar uma sacudida. Mas ela é de manuseio tênue e não se adéqua aos solavancos de um apressado em busca do efeito, do facho de luz, que põe o dia de sol escancarado no objeto em apreço. De cegar qualquer um. Não, era sorrateiro. No máximo os últimos estalidos de uma fogueira na frente de casa. Onde talvez morasse a menina. Morava,  e de lá saía vez em quando. Dava aquelas espiadas de pé ante pé, “têm gente na sala”, e recolhia-se. Você ficava sem saber direito do rosto e aduzia que era bonita. Segredos e confidências!

            Quem não tinha uma menina dessas? Eu tive uma menina de vultos. Dessas de fazer arte que até o capeta duvidava. Ela carregava consigo um vulcão de hora não marcada. Daí a pouco ou nada. Quem percebeu primeiro? Eu, com meu faro de cachorro perdigueiro. Não a acuei. Deixei que ambientasse. Que exalasse por todos os poros seu cheiro de moça. Desde o suéter debaixo da roupa branca até o recatado da saia. Tal como pitanga madura que, sem mínimo esforço, caia de graça no estender a mão por debaixo. Nossos contatos entraram em conexão de imã. Nada iria mais separar aquelas duas correntes imantadas. Dado seu estado de apetecimento, impossível se desfazer do grude em que se transformavam esses encontros. E vinha daí essa nossa pegação, esses nossos amassos repentinos, corrida de doidos pelos cantos de casa. Uma mordeção. Um exercício canibal do verbo comer. Então a gente, cheias as mãos, era só revelação ao mundo.
 

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