segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Gisele

 


      

     

Naquele início dos anos 90, para lembrar um ex-colega, estava todo mundo transando e só ele estava na mão.

- Literalmente – gostava de acrescentar à mesa de amigos.

- Porque você quer – disse Vanda, uma das garotas cobiçadas por ele.

Escamoteava sempre, feito peixe fresco tirado do anzol. Não podia esperar grandes coisas dessa menina Vanda. Beto foi chamado de lado. Ela lhe segredou que já estava com outro, que Beto devia ficar com Gisele, que tinha queda por ele desde menina.

- Vou falar para ela te encontrar lá, tá?

Beto engoliu em seco a pergunta que faria sobre como transportar Gisele. Acabou recebendo dela todo o combinado, que muito o surpreendeu.

Nem mais sabia de Gisele, que era garotinha e mancava de uma perna. Agora se apresentava assim, bonita, aos olhos de entusiasmo de Vanda, que ninguém dava pelo defeito físico. Trabalhão enorme conduzir-se em meio às pessoas, cuidado aqui e acolá na passagem, “com licença’, “com licença”, “desculpe”, “desculpe”. Muito se constrangera na época de ginásio, nas vezes que, por imposição de professores, era tirado para dançar com ela. Questão de direitos humanos, esse beabá todo, que, como bom garoto, teve que tolerar e servir de exemplo.

- Você precisa ver agora!

Sim, mas Gisele via Beto e se acomodara diante do desligamento por parte dele, mais volvido pelos ambientes das “gentes sérias”. E se passasse gente da turma e os reconhecesse? Como ficaria ele com essa garota manca em contraste com seu jeito hábil e viril? Seria um escândalo, que retornaria com outros moldes, mas que podia ser evitado não fosse essa sua tara. Depois, Vanda não estaria  metendo-o numa fria? Ela era amiga de Gisele, não ia fazer tal presepada. Mais que ligeiro, Beto tinha que ir ao encontro dessa nova Gisele. Então virou o copo de cerveja e avisou ao garçom:

- Essa rodada é minha! – disse e saiu como que em busca de um prêmio, descoberto debaixo de sete chaves.

 Para completar, um besouro da luz viajou em sua direção. Afastou-o com um safanão e entrou no carro acreditando ter-lhe ocorrido uma mensagem naquele instante. Algo apanhado no ar, como trilhar pela cautela. Seria refrear seu ímpeto, sob pena de se queimar nas chamas frias da desilusão.

Foi chegar e correr para o abraço num estado de fúria, os dois se desejando, palavras escapulidas na pressa, na ânsia do desvencilhar de coisas estranhas ao ato. Não precisou pronunciar sequer um A. Mãos e pernas se comunicaram em afagos e esfregações, como se reencontrassem após longa ausência.

Aquele encontro com Gisele foi de romper a bolha, com um mulheraço gemendo nos seus braços, sem que se desse por encoberto defeito.


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