segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Garota da calçada

 


 Sua presença conversando com os cabelos, em frente à sua casa, por volta das cinco da tarde, quando Edu passava pelo quarteirão fazendo bicicleta, era talvez a única certeza do dia. Não dizia nada, apenas apreciava a garota em seu ritual lúdico e ia se dando por satisfeito, até que um dia estranhou a sua falta. Após essa frustração, sem esse facho de alegria juvenil, partiu para colher do casal vizinho do lado informações a respeito dela:

- Cadê uma menina que brincava aqui todo dia nesse horário?

- Foi embora. A família levou de volta pra roça.

“Filhos das putas!” – pensou Edu. Levaram também a tessitura de um cotidiano de rua, que se sabia triste, de um tipo especial, mas que figurava no cenário. Agora destemperava o instante.

Apenas para se situar, nem sabia da classificação da doença. Também não queria ciência por perto, mas aquela arte de expressão corporal, sem a qual não se realizava o romper de vida.

 Depois, ao formular perguntas sobre a menina da rua, passaria a ser tomado por andar na solidariedade com  “doido”. Alguns foram até solícitos, outros nem tanto. Em resumo, a garota era de uma “família de malucos”. Encobria-se qualquer discussão:

- Por que ela ficava como se falasse com a ponta do cabelo? – perguntava Edu.

- Um sestro, não? – justificava um dos moradores.

Após ter vagado costumeiramente pelas ruas de bicicleta, sentiu-se incomodado por aquela ausência. Estando ela na calçada de casa, aproximou-se um dia com um princípio de papo:

- Por que você não veio ontem, hein?

Ela não respondeu, porque não era costume lhe prestarem assunto. Edu também não esperava por resposta. O importante era ela ali, no quadro vespertino. Até que deu de querer ir na zona rural atrás dela. Não esperava causar a celeuma que se instalou pelos cantos.

- Um chefe de família, aposentado, cuidando desses assuntos, sem utilidade alguma, é não ter o que fazer– ouvia-se no diário como uma cantiga.

Droga, só falou com seu jardineiro:

- Como é mesmo o nome dela?

Pelo menos o nome, para guardar. Nem isso.

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