sábado, 9 de março de 2024

Lu

 

 

 

Cantarolava no silêncio da noite apareceu a Margarida olê olê olá, mas ninguém aparecia nem mandava recado. Ficou por ali bestando. Até que de uma brisa veio um cumprimento numa voz desconhecida:

-  Boa noite.

Uma enxurrada de perguntas percorreu-lhe o corpo, deixando na cabeça uma sensação de comportas esvaziadas. Com sua coreografia de folhas, uma normalidade de vento espalhou-se à toa. Então descobriu-se de banho tomado e assumiu o frescor em volta:

- Noite de ficar enfiado nos cobertores – disse dirigindo-se ao carro.

- Falando sozinho, cara? – era, de novo, a  voz .

- Conversas ao vento, bem que a gente podia ir matar esse friozinho num motel.

Para sua surpresa, saiu daquele aconchego extra:

- Só se você esperar um pouco...

Ao virar-se, topou com um macacão verde, trajando de frentista:

- Menina, você não tem medo de trabalhar nesse horário num posto de gasolina não?

Ela passou a dar explicações de modo apressado. Tinha vencido seu horário mas teve que substituir um colega e coisa e tal.

- Já estou quase pronta e vamos lá curtir esse frio – disse, toda segura no negócio, e foi resolver-se no serviço.

- Eu aguardo,... – gritou distanciando-se para o bar.

- Lu, pode me chamar de Lu.

 Era uma garota bem formida. Ficou imaginando Lu fora do macacão verde e do cheiro de graxa, que não chegava a encobrir sua feminilidade. Ao contrário, impunha um toque de mulher trabalhadora e de respeito. Dava um outro blend. Só para quem entendia como ele.

   - Rindo sozinho?

Disse o que estivera pensando dela:

- Daqui a pouco. É só você me esperar.

Então ele voltou para sua bebida.  Enquanto curtia o friozinho, esperando Lu,  tomaria um “rabo de galo”. Nada melhor para animar e criar um clima. O que lhe traria Lu de novidade? Foi até lá abastecer um carro e, com pouco, estava Lu de volta.

- Vamos, criatura! Já passei o comando. Deixe me trocar ali.

Ela foi logo e voltou sem o uniforme.

- Me leva daqui.

Aboletou a garota no carro e se arrancou para o motel.

Após refeição leve, levantou-se mordendo um cigarro e foi para cama. Com tranqüilidade, corpo imerso nos cobertores, ficou assuntando Lu embalar o resto de comida com o devido cuidado e apanhar uns chocolates como novidades, como quem colhe da árvore frutas maduras. Encarou a garota que a dois passos do leito, na pura tentação, caminhava evolvida na toalha:

- Eu posso lhe pedir uma coisa, Lu? Dispa esse uniforme.

E Lu estava sem o macacão, mas entendia. Diziam, e ela confirmava, que era mãe e tinha uma filharada pequena. Justificava assim aquela sua destemperança. Mesmo com a conversa de um conhecido:

- Filho dela mesmo, só um: o resto é um cordão de irmãozinhos que a mãe deixou.

         

            

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