quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Samanta

 

 


                   

Samanta era o seu nome. Se não era, passava a ser dali em diante. Adolescente de arrancados pedaços. Pelo menos, um nome bonito já levantava o astral. O resto era o famoso “banho de loja”. Nem tanto banho assim, mas um traje decente, sem imponência alguma, nem “flor no cabelo”, como cantava o poeta. Samanta merecia música, tanto que aproveitou o violão e fez uma para ela. Depois cantarolou. Sem alteração de semblante, ela ouviu a canção. Empolgação, num improvisado prelúdio de sexta-feira, só a do autor. E ela, sem entusiasmo algum, ali figurava servindo às mesas.

O que mais esmorecia Beto, no seu terceiro trago, era a timidez de Samanta. Não tinha o ímpeto de falar com sua chefe: Quero sair mais cedo e coisa e tal.

- Depois que lavar as louças da pia, ela vai – disse uma senhora com ar de patroa, que escutara dele o oferecimento de carona, como se fizesse um imenso favor.

 

Favor coisa nenhuma! Beto pediu outra cerveja, enquanto a garota tratava de deixar a pia arrumada. Lembrou-se da canção de Odair José, que homenageava a empregada doméstica, e sob o efeito da bebida começou a se sentir o tal. Queria entrar no universo de Samanta. Ser o seu herói. Ideia brega? Mas nessas brincadeiras, que beiravam o ridículo, tinha sentido. Ou não?

Eu vou tirar você desse lugar - cantou baixinho trecho da canção,  erguendo o copo de cerveja.

A canção, no entanto, era de uma outra época. Não dizia respeito a vida levada por Samanta. Mas eis que estava manobrando o carro com uma mocinha dentro. Notou que Samanta, pobrezinha, assim do lado, era uma invisível. Também não conversava,

 - Era seu horário de saída?

 - Um pouco mais cedo – disse Samanta.

- Eu trouxe umas coisinhas pra você vestir pra mim e ficar menos triste.

 Beto não esperou por resposta e falou entregando-lhe uma sacola:

 - Comprei umas coisinhas pra você. Têm aí umas roupinhas, umas langeries, blusas e uma calça jeans, no jeito de vestir, tamanho “M”.

Só Beto falava:

 - Vou deixar você em sua casa. Quero que você ponha a roupa nova pra mim, tá? Vou esperar você se aprontar.

- Me deixe aqui.

Queria se preservar em relação à irmãzinha. Então seguiu sozinha. Tomaria logo um banho e viria ficar com Beto ali por perto num barzinho. Beto viu a garota se afastar com a sacola, mas sem nenhuma pose característica.   Deixaria seu molejo para quando se aprontasse ou, macambúzia, se recolheria simplesmente?

Tomava umas cervejas, enquanto espiava a porta do boteco de minuto a minuto, até que resolveu demorar-se nesse assanhamento. E assim permaneceria até que se sentiu, em surpresa, duas mãos femininas lhe tamparem as vistas.  Quando recobrou a visão, deparou-se com uma garota cheirosa de nome Samanta.  Era a dele.

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